quinta-feira, novembro 22

Vítor, o profeta

A campanha imaculada que o FC Porto tem feito na Liga e na Champions tem surpreendido todos aqueles que não acreditavam no trabalho desenvolvido até então. A ilusão não era muita e, pelo menos eu, nunca esperei que a equipa se soubesse reequilibrar tão bem e atingir níveis que lhe permitem desfrutar o momento. Questionado sobre isso, ontem depois do FC Porto-Dinamo Zagreb, Vítor Pereira teve na resposta uma frase que poderá ter escapado aos portistas mais exigentes, mas também mais distraídos (eu incluído). A sobranceria às vezes não tem limites e num caminho cheio de rosas faltaram-me à visão os espinhos com que o técnico teve de levar. Disse Vítor Pereira que 'este ano as cabeças estão no lugar'. Até a dele, parece-me.

Não há volta a dar. Por mais que se fale num grupo e num calendário fáceis, numa Liga onde a grande, grande, maioria dos jogos serão facilmente ganhos, Vítor Pereira está este ano a fazer um excelente trabalho. Já se falou aqui, dando a mão à palmatória, que depois de uma época de êxitos veio sempre a desgraça para os dragões. O técnico espinhense, e a direcção, souberam no ano transacto aguentá-la e lançar bases para este ano fazer uma campanha extremamente adulta.

Várias vezes apelidei o timoneiro do FC Porto de autista. Ora, quando muito se atira para o ar corremos o risco de falar para o espelho e de a carapuça assentar. Estaria eu, então, a ser autista se não reconhecesse o enorme esforço que o técnico tem feito para que esta campanha acontecesse sem mácula. Também, em tom jocoso, associei o técnico à teoria 'fake it til you make it'. Quantas e quantas vezes não o ouvimos, qual profeta, a adivinhar o que aí vinha? Somos Porto, dizia ele. E não é que cada vez mais a equipa parece entrar confiante, aguerrida, mandona e sobretudo sem ponta de sobranceria? Se há uma definição de 'ser Porto', ela é essa.

De facto, depois da fé em si próprio mover esta montanha, qualquer comentário que se possa fazer em relação a Vítor Pereira tem de incluir um 'para já' antes. E para já a equipa conseguiu aquilo que eu tanto pedia. Fecho os olhos e vejo-a fazer um excelente jogo em Paris. Fecho os olhos e vejo-a gladiar nos 'oitavos' da Champions. A 'ilusión' foi-me devolvida por um técnico que nem sabe bem onde pode chegar, que nem sabe bem ainda qual a sua maneira de ser enquanto líder, enquanto entrevistado. Está também ele a criar-se, a criar a tal 'persona' em que o clube e ele podem (para já) vir a ser um só. Aquilo que André Villas-Boas teve no primeiro momento que chegou ao Dragão, Vítor Pereira está agora a aprender. A linha do 'nada está ganho mas nada queremos mais que isso' faz cada vez mais a trave-mestra do seu discurso tornando o Dragão cenário ideal para novas conquistas. Se as houver, tanto melhor. Se não, ficam, desde já, dados os parabéns ao técnico pelo estoicismo, pela crença e pela vontade.

Não será, para já, o melhor técnico do Mundo. Nem terá, para já, o modelo em que mais me revejo. O próprio estar não é, para já, o mais tranquilo e confiante. Mas como Jesualdo, por exemplo, ganhou, para já, a minha simpatia. E o que é que une dois portistas? Só, a identificação pela causa. E essa está cada vez mais patente em Vítor Pereira. Aquilo que ninguém de fora compreende e que nunca poderá elogiar porque não percebe, mas que se estiver atento às entrelinhas terá um 'glimpse' de como se trabalha naquela casa e do porquê de tanta vitória e tanta diferença em relação à concorrência. Neste momento Vítor pisa essa linha e quem a pisa tem sempre a minha admiração.

No final da partida, o técnico teve outra expressão de enorme valor e que lhe poderá ser extremamente útil para o futuro. 'É na adversidade que se cresce', e Vítor cresceu. Mas se é na adversidade que se cresce, na facilidade é fácil ficarmos confortáveis e desviarmo-nos do caminho, do padrão e da causa. Sempre atento, caro Vítor, que agora vem o mais difícil.

2 comentários:

Anónimo disse...

Para já apenas li a introdução, e em relação às cabeças:

foi precisamente isso que escrevi no ano passado. VP herdou uma equipa cheia de títulos, conquistas, sucesso e, claro, vontades de ir para outros lugares.

Foram vários os jogadores que VP teve de domar, o que, vindo dele, não deixou de me surpreender.

Mas sempre lhe vi algum mérito naquilo que outros viram demérito.

Aliás, para mim, VP tem tanto valor como VB, isto pelo que posso aferir das passagens de ambos pelo FCP.

Gonçalo disse...

tal como tu, eu também malhei forte no VP. e também como tu, se bem que mais cedo :),também lhe reconheço o mérito pela equipa que construiu.

o homem está melhor, mais confiante e a equipa transparece isso em campo. a saída do hulk e a obrigatoriedade de encontrar soluções na equipa, em vez de num individuo, também ajudou muito para esta fase de sucesso e bom futebol.