sexta-feira, junho 27

A folga

Há quem jure ver, na folga deste Mundial'2014, dois torneios diferentes. O primeiro, que acabou na passada quinta-feira e que teve compreendido em si várias 'liguilhas', e o segundo, que começa este sábado e estará enquadrado no espírito do 'mata-mata' imortalizado por Scolari. Não sabemos, no entanto, se as reais diferenças entre um e outro serão assim tantas, até porque, como já vimos, preconizar algo neste Brasil'2014 pode custar caro à auto-estima de quem o faz. O que se poderá fazer, entre outras coisas, é lembrar a tendência para um sistema táctico que se tem provado muito eficiente nesta competição. Em relação ao esquema-tipo de outras épocas, adicionou-se um central, deu-se maior liberdade aos laterais, manteve-se o 'duplo-pivot' a proteger um criativo e 'lançaram-se' dois avançados às feras para desequilibrar e confundir as defesas menos avisadas.


Foi esse o caso da Espanha. A gloriosa campeã mundial e bi-campeã europeia não resistiu à dúvida lançada pelas mudanças holandesas, que encontraram na 'Armada Invencible' as falhas que meio-mundo andava ansioso por achar. No entanto, a queda da Espanha aconteceu muito por culpa da ainda campeã mundial não ter sabido contornar a dúvida, mantendo o seu habitual futebol. Não falamos pois da queda de um tiki-taka inexistente (durou até ao fantástico golo de Van Persie e podia ter 'matado' o jogo) mas sim da queda da confiança e rotina de nuestros hermanos na adversidade. O 'tiki-taka', acreditem, ainda valerá muito, resta saber é quem o conseguirá recriar.

Nesse campo, o da dúvida existencial, andará a falha de grande parte das equipas que, à partida, seria favorita para figurar no propalado 'mata-mata'. Portugal, como bem sabemos (e sentimos), era uma delas, mas acabou por não resistir à derrocada psicológica que os confrontos com equipas de maior qualidade lhe costumam provocar. A Alemanha colocou a nu a falta de rotina, e credibilidade, de um 'onze' congelado e Bento não encontrou ideia, nem solução, para, pelo menos, voltar ao nível habitual. A falha, essa, estendeu-se até ao jogo com os Estados Unidos e criou uma situação impossível de reverter no jogo com o Gana. Resta a questão: porque é que Portugal não se consegue equilibrar com as grandes potências? A falta de qualidade, em relação a outras selecções é evidente, mas nem quando a teve (Rui Costa, Figo, Deco, Costinha, Maniche, Ronaldo...) conseguiu triunfar. E pode-se chamar-lhe estigma, mas, acredite-se, a resposta terá muito mais a ver com organização, competência e ideia, do que com outra coisa.

E a falha portuguesa, ao contrário da espanhola, até não teve nada a ver com a emergência da nova tendência táctica deste Mundial. Porém podem usar-se os dois exemplos para dar uma noção ao leitor de que as organizações europeias duvidaram de si próprias e perderam em larga escala para um sistema que, potencialmente, é menos rico que os '4-3-3' do Velho Continente. A dúvida e a competência são por isso mais importantes que qualquer sistema. Repare-se nas caminhadas de Brasil e Argentina que, sem real colectivo, procuram as suas maiores individualidades para vencerem os seus jogos. Temos portanto, nesta fase a eliminar, aquilo que já havíamos tido na fase-regular. Equipas carregadas às costas pelos seus mágicos e equipas com um 3-5-2 que tem confundido a falta de rotinas de planos potencialmente mais ricos. Neste cenário, será possível a Bélgica, a Colômbia, a França e a Alemanha encontrarem confiança para baterem a tendência? É que só com doses elevadas dessa auto-estima se poderá evitar que a Final deste Brasil'14 acabe jogada por duas equipas que de real futebol só têm tido Messi e Neymar.

P.S. Não pretendemos, de maneira alguma, elevar um tipo de jogo em detrimento de algum outro. Uma Final Brasil-Argentina teria tanto valor como qualquer outra. No entanto pretendemos sim chamar a atenção para o facto das individualidades se estarem a sobrepor ao colectivo, sendo esse facto um enorme revés para a evolução que o jogo tem sofrido nos últimos anos. É, também, um facto que só nos parece possível porque as competências colectivas das selecções que valorizam o conjunto parece, estranhamente, desafinadas. A Espanha, e a má forma da Alemanha, juntamente com a queda da Itália, assim o confirmam.

6 comentários:

Tasqueiro Ultra-Copos disse...

Portugal tb se fiou no Ronaldo para resolver mas com o próprio jogador lesionado e a teimosia do nosso seleccionador em levar e jogar com mais de meia equipa presa por arames ninguém aguenta.

J. disse...

Já li o post 2 vezes e não tenho a certeza de que o entendi.
A falência do poder colectivo face ao valor individual?

Em relação á selecção portuguesa eu acho que ficou novamente visivel a nossa cultura de facilitismo, de falta de rigor, exigência e mentalidade. A todos os niveis.

Os ultimos a chegar ao Brasil, a deficiente forma fisica que atingiu 5!? jogadores em 3 jogos, a primeira parte da Alemanha com 3-0 e a jogar com 10, as escolhas de Bento no segundo jogo como se nada tivesse acontecido, o mesmo grupo de jogadores de sempre no matter what, a renovação com o seleccionador antes do Mundial quando o lógico teria sido depois, o discurso de PB onde não se dimitia acontecesse o que acontecesse, etc etc etc.

Continuamos a ter graves problemas em competir a alto nivel.

Marco Morais disse...

A ideia-base do post centra-se na falência dos colectivos favoritos. Sinceramente, nenhum deles me impressionou. Acabaram por impressionar-me, bem mais, o México e a Costa Rica por exemplo. A Holanda converteu-se também a um sistema que se mantém sempre equilibrado defensivamente desde que, claro, do outro lado estejam equipas com debilidades ofensivas e defensivas - e há muitas.

Só assim consigo explicar que o Brasil e a Argentina possam chegar à Final, jogando um futebol que é do mais rudimentar possível.

Já Portugal falhou por muitas razões, algumas delas apontadas por ti. A maior, a meu ver, foi não ter um 'onze' rotinado numa ideia forte. O que, aliás, já acontece há muitos anos. Às vezes as contingências, e as individualidades, deixam-nos chegar longe. Outras vezes, ficamos pelo caminho bem cedo.

Para se perceber melhor o que quero dizer, pergunto: quem eram o Paulo Ferreira, o Derlei e o Maniche sem o Mourinho e a sua ideia?

Quem eram Busquets, Pedro e até Xavi e Iniesta (provavelmente relegados para o banco) sem Guardiola?

Até Moutinho sem Peseiro, AVB e VP esteve bem abaixo das suas possibilidades. Isto para dizer que jogador sem ideia que o faça transcender-se, não é nada.

J. disse...

Acho que há uma pequena diferença entre o trabalho que se faz num clube e o tempo que dá para trabalhar e preparar uma equipa na selecção.
Não sei se essa identidade colectiva se pode afirmar numa selecção de uma forma tão acentuada.
Para mim, trata-se mais de encontrar os equilibrios colectivos e esperar que sejam as individualidades a decidir.

Marco Morais disse...

Então os seleccionadores nunca têm culpa. É possível formar colectivos sem espinhas-dorsais dos clubes nas selecções. Há vários exemplos disso. O mais claro é a França de 98 e 2000.

Claro que tens de ter qualidade individual. Mas ela não sobressai sem colectivo. Deixa o Brasil ou a Argentina apanharem um e depois vais ouvir por aí 'O Messi (ou o Neymar) não apareceram'.

Com uma ideia de jogo, apareceriam sempre porque são dois dos melhores. O mesmo vale para Ronaldo.

Faro Algarve disse...

Bom post.

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