sábado, dezembro 5

O lugar do morto

O futebol vê-se melhor, sabemos, para o lado que está o vento. Por isso não sei se a propalada adivinhação sobre Renato Sanches - antes da confirmação feita à bomba pela miúdo, ontem à noite - faz muito sentido. Em causa não está a sua qualidade, mas sim o que foi dito de outras pérolas encarnadas antes delas realmente existirem. Vieira segue o seu caminho, é verdade, mas convém lembrar que de Rui Costa a Bernardo Silva, muitos Akwas e Joões Pereiras fizeram capas. Contudo, agora parece mais fácil acertar porque a margem de erro tornou-se bastante reduzida fruto da muita qualidade que há no Caixa Futebol Campus. Renato é craque, e até para quem não o acompanhou nestes anos em que ele foi despontando na formação encarnada, fica difícil não ir na onda. É o miúdo certo no lugar certo. Lugar esse que em tempos de Paulo Fonseca no FC Porto chamei de 'lugar do morto'. Ao lado do trinco, sempre ao lado, poucos sobrevivem. Josué, Defour e até Lucho souberam isso quando não fizeram esquecer Moutinho. No Benfica, depois de Enzo, foi Pizzi quem agarrou o lugar. Contudo, depois da saída de Jesus, a horizontalidade do duplo-pivot voltou a fazer escola. E Samaris, o mesmo Pizzi e Talisca fizeram nos encarndos a reentrée do tal 'lugar do morto'. Não atacam (bem), não defendem (alto). E o miúdo parece estar-se nas tintas para isso. Tem arranque, tem poder, tem técnica. Mas isso não vai aparecer ao lado de Fejsa, ou Samaris. Talvez por isso, na primeira-parte, o Benfica foi (quase) inofensivo.

Jardel e Lisandro não abriam e não chamavam a si a responsabilidade de desfeitear a primeira linha de pressão da Briosa. À frente, mesmo à frente, literalmente, Fejsa e o puto tentavam fazer tudo isso (com dois pesos mortos atrás), mas com menos uma ou duas opções de passe, pois, que se saiba, os auto-passes ainda não são boas soluções para as saídas-de-bola. Quer isto dizer que Fejsa e Renato (principalmente este) deviam estar dentro do bloco adversário e não a desenhar um despropositado quadrado que encravava o bicampeão na hora de sair a jogar, para desposicionar o adversário, para lhe ocupar o meio-campo, para controlá-lo e empurrá-lo. E se lembrarmos que a grande-área adversária fica bem mais longe da baliza de Júlio César, do que a linha de meio-campo, talvez se perceba melhor o que pretendo com estas linhas. Fejsa, pelo menos, demonstrou sabê-lo quando travou Gonçalo, depois de lhe oferecer a bola.

E se lembrarmos também que tudo isso mudou na segunda metade (com mão de Rui Vitória), teremos também uma explicação lógica para a subida de rendimento de Renato Sanches e, até, para o seu belo golo. Depois, claro, da já referida força e técnica, vem também o posicionamento. E a par de Fejsa, seria muito difícil o miúdo soltar-se e fabricar a imagem do fim-de-semana. Fica então o aviso para quando, daqui a alguns jogos, se cair na tentação de se criticar o miúdo. Atente-se no posicionamento e tente-se discernir aquilo que lhe foi pedido, antes de se atirarem as habituais bojardas que ferem também... Imbula. O belga naturalizado francês (assim não há problemas e toda a gente entende) sofre do mesmo mal. Lado a lado com Danilo (na maior parte do tempo) não se gastaria 1 milhão na tal força, explosão e técnica. Mas o FC Porto, no papel, gastou 20, só para perceber que o sistema de jogo que Lopetegui quer implementar não é mais que uma versão 2.0 da época de ruína que foi a 'Série Fonseca'. Basta repararmos que com Herrera (esse mesmo) a chegada à área resultou no golo que desbloqueou a primeira vitória de Julen na Madeira. Deve dar para ficarmos com uma ideia, não?

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