quinta-feira, fevereiro 25

Realismo 'Doutromundo'

Não se pode secar demais a roupa. Se está seca, está seca. Queimá-la já é outra história, tal como a do ultra-realismo. Se é ultra, não é realismo. Se realismo será realismo, e por isso último degrau da realidade, o ultra-realismo cai no erro de querer emprestar uma outra realidade à realidade. Confuso? Talvez olhando para o onze do FC Porto e para as opções tácticas de José Peseiro num jogo em que se confessou uma "vontade enorme" de virar uma desvantagem bem desconfortável, se possa perceber o 'ultra-realismo' que seria cumprir tal desiderato com Marega, Varela e José Ángel em campo. Realismo ultra que visava ter de virar o 2-0 trazido de Dortmund, pensando primeiro - tal como na 1.ª mão - em arranjar maneira de não sofrer golos. Fica assim cada vez mais notório o limbo onde Peseiro caminha (entre atacar bem e defender melhor) em muito ajudado por uma situação contratual indefinida. 

Com Corona, Herrera e Brahimi a verem do banco, o FC Porto demonstrou uns bons três minutos(!!!) de pressão-alta. Aliás, três é um número que fica ligado a mais uma prestação insossa deste novo Porto na Europa League. Se três eram também os golos que os dragões teriam de marcar (sem sofrer) daria jeito que o Dragão visse os azuis-e-brancos passarem a barreira dos três... passes seguidos. Se ao bom número de recuperações altas (que surgiam quando os pupilos de Peseiro não ficavam à nora com a dose industrial de posse-de-bola no meio-campo defensivo operada pelo Borussia) a decisão seguinte fosse sempre a de baixar a cabeça, correr pelo relvado e rematar para o Dolce Vita (isto na primeira metade) mais complicada haveria de ficar a vida para quem, como sempre, oferece sempre um brinde ao oponente.

Que o Borussia haveria de marcar, lá no fundo, no fundo, todos sabíamos. Aliás, José Peseiro sabia-o tão bem que, nesta eliminatória em que usou a célebre 'não-desistência' do portismo, começou, como em Dortmund, a pensar em não sofrer. E se Julen Lopetegui - já com um 6-1 na bagagem mental - foi jogar à Luz com enormes receios defensivos, José Peseiro seguiu-lhe as pisadas e, desta vez, pensou mais em si, do que no clube. E se tanto elogiado foi Peseiro, quando assumiu que o importante era a «entidade patronal», desta vez as soluções defensivas nas alas para ajudar as laterais não colam com o discurso tão propalado do Somos Porto! 

Acima, dizíamos que ao número bastante aceitável de recuperações altas nos primeiros 45 minutos, o FC Porto viu os seus jogadores decidirem como se um guna lhes apontasse, a cada jogada, uma navalha. Mas, olhando para o ambiente no Tribunal, de nada se podem queixar os peseiretes que não de apoio incondicinal, da sua própria falta de estofo, carisma, inteligência e intuição. Até Rúben Neves - tido como um talentoso decisor - teve nos pés várias chances de estabelecer o FC Porto no meio-campo adversário. Mas a bola queimava, e se não era a redonda seria o momento, o medo, a incapacidade ou a falta de experiência. E se este Porto se pode equiparar a outros conjuntos azuis-e-brancos que nestes momentos (jogando contra colossos, leia-se) vêem o seu cérebro toldar em função da pressão adversária, terá de preocupar os responsáveis da equipa que, jogando em casa, esta prestação com bola seja em muito parecida com os Marítimos, Moreirenses e Aroucas da nossa bela Liga.

Não que o objectivo não fosse imenso e hercúleo. Não que as adversidades sofridas na 1.ª mão não fossem evidentes. Mas é o jogo operado com essas adversidades que marcará sempre a diferença. E se na cabeça estava a ilusão (em bom português) de lutar pela eliminatória, o jogo não podia fazer perder tempo (e dinheiro) a quem foi ao Dragão para ver mais que um treinador a jogar para não ser despedido no final de uma época em que não terá um goleada germânica às costas. Peseiro está assim fora da Europa (League) e talvez possa agora pensar mais calmamente na imagem que tem de dar para que, para a próxima temporada, a sua manutenção não seja vista com desconfiança. E se a cartada da Luz lhe deu um balão de oxigénio (curiosamente com muita bola no pé e pouco repelão), depois da inoperância e do ultra-realismo contra o Borussia, a vitória no Clássico pode muito bem ser coisa pouca para a certeza de um FC Porto dominador e de pé para pé. Esse é um FC Porto longe do repelão de Evandro, do semi-cabeceamento de Varela (com enorme defesa de Bürki) e da bola à barra de Brahimi (entrado na 2.ª parte). É que na retina fica a inoperância para roubar uma bola que andou, infinitamente, de lado a lado, pelo meio-campo defensivo, nos pés dos jogadores do Borussia, num controle do jogo quase imperial (e nada fino, como na Invicta). Uma saída-de-bola deveras conhecida e que, por isso, merecia mais pressão e mais tino na hora de a guardar o esférico para roubar o protagonismo a uma equipa que, sem nada disso para a tentar travar, saiu do Dragão a rir.

FC Porto-Borussia Dortmund, 0-1 (0-3); (Casillas p.b. 23')

4 comentários:

Mike Portugal disse...

Não sei se não estarás a ser demasiado duro com a equipa.
Com aqueles jogadores o Dortmund é muito forte e aqui no nosso campeonato lutaria para o título à vontade todos os anos.
Parece-me que Peseiro pensou o mesmo que JJ: "Não tenho grandes hipóteses de ganhar a liga Europa com as equipas que lá estão, por isso vou poupar tudo para o campeonato"
E eu concordo com este pensamento.

Peyroteo disse...

Foi uma questao de falta de qualidade. Ainda para mais, o Dortmund nunca pareceu uma equipa concentrada no jogo de ontem. Falhou mais passes do que o habitual. Entregavam muitas vezes a bola ao Porto, mesmo em zonas relativamente perigosas mas invariavelmente as decisões portistas alternavam entre o mau e o péssimo...

J. disse...

Ui, Mike, se o Peseiro pensasse isso neste SPorting, era logo acusado de não ter estofo europeu.

Não vi qualquer jogo do Porto, mas penso que será um pouco do mesmo do que se passou contra o SPorting.

Era sempre nas alturas em que o SPorting parecia equilibrar o jogo, ou até estar ligeiramente por cima que o Leverkusen marcou.
Foi o que aconteceu em Alvalade e foi o que aconteceu em Leverkusen nos dois primeiros golos.
Chega a ser quase insolente,a forma como estes alemães jogam contra nós.
Depois, quando já se dislumbra ser impossivel qualquer reviravolta, e já não há qualquer resposta por parte das equipas portuguesas, dedicam-se a massacrar com golos ou oportunidades claras de o fazer.
O Sporting depois de ter ficado com 10 em Alvalade, ia levando mais um ou dois.
Depois do 2-1 em Leverkusen, sofremos mais um e não sofremos mais outro porque o Jefferson tb se lembrou que é defesa.

Marco Morais disse...

Por eu 'pedir' que o Porto tivesse feito mais que três passes seguidos, não quer dizer que pedisse a vitória ou a reviravolta. É só ler o post anterior - onde previ aquilo que era fácil de prever.

O Dortmund perde sempre 'imensas' bolas dessas... quando é pressionado. É difícil de pressionar - metem muita gente nessa circulação baixa - porque envolve risco, mas o Porto devia corrê-los.

A questão de Peseiro não é de rotatividade, ou de escolha de competições, mas sim de ideologia. Ele anda num limbo porque já percebeu que no fio da navalha não ganhará os jogos que Sporting e Benfica vão ganhando. Contra o Dortmund abdicou de atacar e de construir pelo meio. Se não for pontual, pela conjuntura, faz dele um treinador como Lopetegui ou Fonseca - não serve.

E atenção, acho que tem feito um excelente trabalho. Nesta eliminatória perdeu - não por não ter passado - a minha confiança. Pode sempre recuperá-la e ser fiel à 2.ª parte da Luz.

Depois não quer dizer isto que tenha de ganhar tudo. Irrita-me é que aquilo tudo tenha sido previsto pelo, e propositado da parte do, treinador, e que seja antagónico ao que deve ser.